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domingo, 5 de setembro de 2010

Acasos

 

Todos os dias ao sair do trabalho, Paulo corria para pegar o ônibus que o levaria de volta para casa. O expediente terminava às dezessete horas e ele gastava em média doze minutos até o ponto de ônibus. Geralmente o ônibus passava entre três e cinco minutos após a chegada de Paulo ao ponto. Ele nunca havia perdido esse ônibus. Perdê-lo implicaria em atrasar em uma hora sua chegada em casa.

Foi numa segunda-feira, dezesseis horas e trinta minutos quando o telefone sobre a mesa de Paulo tocou. A voz do outro lado da linha o convocou para uma reunião extraordinária. Quarenta e cinco minutos depois Paulo e mais cinco colegas de trabalho saíram da sala de reuniões. Dezessete e quinze! Reunindo as forças que lhe restaram, Paulo pegou a sua mochila a caminho da saída e correu para o ponto de ônibus. Ele sabia que as chances de fazer o caminho entre o trabalho e o ponto em menos da metade do tempo habitual eram ínfimas, mas a esperança é algo que teima em contrariar as probabilidades, a razão e o preparo físico. Esbaforido, Paulo chegou ao ponto dez minutos depois do fim da reunião. Ele havia conseguido abaixar o seu tempo em dois minutos, mas para sua infelicidade total o ônibus também havia conseguido executar o mesmo feito. A espera de Paulo se estendeu por mais quinze minutos. Muito chateado, Paulo entrou no ônibus que estava com apenas dois lugares vagos. Sem prestar muita atenção nas pessoas que lá estavam ele se sentou próximo ao corredor em um dos lugares vagos lá pelo meio do ônibus. Quando o veículo entrou em movimento, Paulo sentiu um perfume que nunca havia sentido antes. Ele começou a procurar a origem daquele aroma, virou o rosto para a esquerda e deu com o nariz em uma bolsa. Ao se virar para o outro lado, Paulo identificou a origem do perfume.  Uma moça de longos cabelos castanhos estava sentada ao seu lado olhando na direção da janela do ônibus. Começava a escurecer lá fora e as luzes internas do veiculo foram acesas. Isso fez com que Paulo pudesse ver no vidro da janela o reflexo do lindo rosto da moça. Ele era um rapaz tímido e ficou em silêncio durante todo o trajeto. Acabou desembarcando antes dela e do lado de fora do ônibus, mais uma vez pode contemplar aquele rosto pela janela.

No dia seguinte, quando o relógio marcou dezessete horas, Paulo calmamente arrumou a sua mesa, pegou os seus pertences e se dirigiu ao banheiro onde lavou o rosto, penteou os cabelos e ajeitou as roupas. Ele não tinha mais pressa. Gastou mais tempo do que o habitual para chegar ao ponto de ônibus. Ao embarcar seu olhar procurou discretamente aquele rosto. Lá estava ela sentada no mesmo lugar à janela. Mas dessa vez seu rosto estava voltado para a porta de entrada do ônibus, como se ela estivesse assistindo ao embarque dos passageiros. Com o coração acelerado, Paulo se dirigiu até o lugar vago que havia ao lado da bela moça. Ao se sentar, ela olhou pra ele e sorriu um sorriso que parecia querer dizer “oi”. Paulo retribuiu o gesto da mesma forma, mas mais uma vez não conseguiu dizer nenhuma palavra durante todo o trajeto. Ficaram apenas olhando, ela para a paisagem urbana de fora do ônibus e Paulo para o reflexo do rosto dela no vidro da janela.

Nos dias seguintes, antes do final de semana, Paulo só conseguiu se sentar ao lado da moça mais uma vez. Na quarta ele se sentou logo atrás dela e na quinta ele não conseguiu se sentar, mas ficou de pé, próximo ao lugar onde ela estava. Nesse dia ela gentilmente se ofereceu para levar a sua mochila. De pé, Paulo pôde observar que a moça trazia um crachá preso a roupa. Depois de muitas tentativas, ele só conseguiu ler o nome da empresa e o primeiro nome dela. Para sua surpresa, ela se chamava Paula. Na sexta, Paulo conseguiu se sentar ao lado de Paula. Dessa vez, além de um sorriso ele conseguiu pronunciar um “oi”, mas ela só retribuiu com um sorriso.

Na semana seguinte Paulo teve mais sorte e conseguiu se sentar ao lado dela três vezes. Além disso, na sexta, antes de Paulo descer ela desviou o olhar da janela e se virou para ele. Ele não havia notado e já estava quase de pé quando escutou a voz dela pela primeira vez.

-Tchau! – Ela disse.

A voz dela ecoou nos ouvidos de Paulo durante todo o final de semana. Ele queria rever novamente aquela moça e desta vez iria conversar com ela, iria conhecê-la.

Eis que a segunda-feira chegou. O dia mais longo da vida de Paulo. Quando o expediente terminou, ele correu para o ponto de ônibus. Assistiu ao ônibus das dezessete e quinze passar a espera do ônibus em que a Paula estaria. Quando ele chegou, Paulo tomou fôlego e tentou se acalmar antes de embarcar. Ao chegar à roleta, ele examinou o rosto de cada passageiro e em nenhum deles encontrou o reflexo do rosto que tanto o encantou. Ao passar pela roleta, Paulo ainda repetiu a busca enquanto avançava pelo corredor do ônibus. Mas ela não estava lá. Um vazio enorme tomou conta do coração do rapaz. Ele havia perdido todas as oportunidades de conhecê-la.

Na terça, Paulo não conseguiu esperar o fim do expediente. Saiu do trabalho quinze minutos adiantado, tamanha era a sua ansiedade. E de novo ela não estava no ônibus. A semana passou e Paula não reapareceu. Paulo passou o final de semana inteiro pensando na moça e remoendo uma idéia. Ele não iria desistir. Lutando contra sua timidez, Paulo resolveu ligar para a empresa em que ela trabalhava. Na segunda, assim que chegou ao trabalho, ele procurou na lista telefônica o telefone da empresa cujo nome ele havia lido no crachá de Paula dias antes. Sem saber ao certo o que dizer discou o número e esperou alguém do outro lado atender.

- Alô. Escritório de advocacia Albuquerque – disse uma moça do outro lado da linha.

Silêncio.

-Alô! – repetiu a moça.

O coração de Paulo estava obstruindo sua fala. Ele lutava para dizer alguma coisa, mas nenhum som saia de sua boca.

-Alô! Alguém na linha? – perguntou impaciente a moça.

Não era ela. A voz que ouvia ao telefone não era a mesma que disse “tchau” para ele. O seu coração se acalmou um pouco deixando uma brecha para sua voz.

-Alô – ele conseguiu dizer.
-Em que posso ajudá-lo Sr.?
-Bo..bo..boa tarde... Eu gostaria de falar com a Paula.
-Quem gostaria?
-Meu nome é Paulo e sou amigo dela.
-Infelizmente a Paula não trabalha mais aqui Sr. Paulo. Inclusive, eu estou no lugar que era dela.
-Preciso muito falar com ela. Você pode me ajudar?
-Bem sr., vou ver se alguém que trabalhou com ela pode ajudá-lo com alguma informação. Peço que o sr. aguarde um instante na linha.

Alguns poucos segundos depois a moça voltou a falar.

-Sr. Paulo?
-Sim.
-Consegui o número do celular dela. Posso ditá-lo?
-Sim, por favor.

Paulo digitou e gravou o número ditado pela moça em seu celular. Após agradecê-la ele desligou o telefone sem saber ao certo o que faria a seguir. Decidiu então enviar um sms e esperar por uma resposta. Passou a tarde inteira rascunhando uma mensagem. Por fim ele mandou seguinte texto:

“Oi Paula! Meu nome é Paulo. Eu me sentei ao seu lado algumas vezes no ônibus, mas em nenhuma delas consegui superar a minha timidez e me apresentar a vc. Sinto ter perdido a oportunidade. Mas se eu estiver errado e ainda houver uma maneira eu adoraria conhecê-la.”

Naquela noite Paulo não conseguiu dormir direito. Acordava de hora em hora, pegava o celular e verificava se havia alguma resposta. Nada. A manhã do dia seguinte também se passou sem nenhuma resposta. À tarde Paulo já havia perdido as esperanças e não olhava mais para o celular. Não havia mais motivo para ele não pegar o ônibus das dezessete e quinze, mas sem perceber o deixou passar. Quando o ônibus seguinte parou, Paulo embarcou de cabeça baixa e muito chateado como na primeira vez em que ele pegou aquele ônibus. Passou pela roleta e se sentou no primeiro lugar vago que encontrou. Não havia ninguém ao seu lado. Era um lugar no meio do ônibus, lado direito desta vez próximo à janela. Ao se sentar ele encostou sua cabeça no vidro e começou a observá-lo a procura do reflexo daquele rosto lindo, mas só conseguia ver o seu próprio reflexo. O ônibus começou a andar e a noite mal dormida se fez sentir. Paulo dormiu por alguns minutos, mas foi despertado pelo vibrar do celular. Ele nem percebeu que não estava mais sozinho no banco do ônibus. Pegou o celular e leu a seguinte mensagem:

“É um prazer conhecê-lo Paulo!”
Ass.: Paula

Ele não entendeu muito bem, ainda estava sonolento. Releu e releu a minúscula mensagem. Enquanto olhava para o celular pensando no que faria, um perfume familiar fez seu coração disparar. Ele então olhou para a janela e seu olhar se encontrou com o dela.  O reflexo dela sorria enquanto olhava pra ele.


- Oi Paulo!
- Oi Paula!

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